Da RBA

O seminário internacional “Brics dos Povos” chegou ao fim hoje (12), após dois dias de debates que abordaram temas como novos desafios do trabalhismo, solidariedade entre nações e enfrentamento ao imperialismo na busca por soberania. O evento antecedeu a reunião da Cúpula do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que acontece entre amanhã e quinta-feira.

Em pauta, nas duas mesas do dia, a luta entre o capitalismo financeiro e a democracia em todo o mundo. Neste momento, o convívio entre ambos mostra-se cada vez mais insustentável. “Um por cento da população mundial acumula 50% da riqueza; 50% dos mais pobres tentam se virar com 3% da riqueza. Isso leva, certamente, a uma bifurcação entre capitalismo e democracia”, disse a líder da oposição na Câmara dos Deputados, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Jandira fez uma apresentação sobre as contradições da atual fase do capitalismo durante a primeira mesa do dia, intitulada “Crise Política Internacional e a Luta Popular”. A parlamentar defendeu a existência do Brics como um bloco de resistência ao processo de derretimento das democracias populares. “O capitalismo contemporâneo representa uma agressividade do império que resiste à multipolaridade. Os Brics são uma expressão da multipolaridade.”

Para a deputada, o bloco possui, hoje, um elo de fragilidade nessa busca por independência e autodeterminação dos povos: o Brasil. Com a eleição do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro (sem partido), o Brasil viu sua política guinar completamente. A agenda bolsonarista reúne o autoritarismo a serviço do capital financeiro, a entrega do patrimônio nacional a empresas estrangeiras e o alinhamento aos interesses dos Estados Unidos.

As investidas do capital através de golpes de Estado e governos autoritários podem ser uma reação do poder econômico e geopolítico norte-americano contra os avanços dos últimos anos, em especial na América Latina e na Ásia. “Neste momento em que existe um deslocamento do polo tecnológico para a Ásia, existe um incômodo no império que sofre um relativo declínio, os Estados Unidos. Relativo declínio econômico, tecnológico e político”, comentou Jandira.

Agora, a restauração do império pede o aprofundamento da desigualdade, como completa a parlamentar. “O capital financeiro busca uma desregulação do mundo do trabalho, a quebra da soberania, dos estados nacionais, sequestro de direitos sociais, que aprofunda com grande força a desigualdade (…) É impossível estabelecer uma agenda de profunda desigualdade, com uma massa de descartáveis, sem que a supressão da democracia se dê. Você cria uma agenda de supressão de direitos e impossibilidade de sobrevivência.”

Ilam Shaheen Khan, integrante do recentemente fundando Partido Socialista dos Trabalhadores da África do Sul, observou que a crise capitalista internacional vem se arrastando há mais de uma década, e a “burguesia não tem apresentado soluções” Segundo ele, o cenário caminha para um movimento de intensificação da pobreza no mundo.

“A crise capitalista leva os governos burgueses ao redor de todo o mundo a atacar os ganhos sociais. A crescente erosão da base social e do apoio popular a esses governos, os forçam cada a se apoiar em práticas autoritárias e na repressão”, disse.
Ihsaan Haffejee/New Frame

Golpe na Bolívia

A pausa entre as duas mesas do dia foi marcada por um ato em solidariedade ao povo boliviano em frente à embaixada em Brasília, contra o golpe de Estado que desmontou toda a estrutura do governo eleito de Evo Morales. Evo, para preservar sua vida de ataques da extrema-direita, teve de fugir de seu país. Fora recebido como exilado político no México. O ato contou com a participação de trabalhadores do Brasil, Rússia, Índia, África do Sul, Mauritânia, Marrocos, Nepal, Congo, Peru, Estados Unidos e Venezuela.

“O povo boliviano luta, assim como o venezuelano, pela autodeterminação, pela distribuição justa das riquezas. Lamentavelmente, as Forças Armadas, que antes eram leais a seus princípios e a sua visão de construção do país, hoje saem a massacrar seu povo”, disse o venezuelano José Uzcatagui, militante da Frente Francisco de Miranda.

Ainda na primeira mesa, o deputado federal Pedro Uczai (PT-SC) defendeu a solidariedade com a Bolívia como parte de uma política simbolizada pela articulação dos Brics. “A Bolívia é simbólica para entendermos a America Latina. Fortalecer os Brics, passa por fortalecer a soberania dos povos. Os países da América Latina não participam dos Brics, então, esse é o maior desafio que precisamos ampliar a articulação política latino-americana tendo os Brics como horizonte em correlação com o império estado-unidense”, disse.

Vontade política

Durante a mesa final do evento, concluído com a elaboração de um documento a ser entregue para a Cúpula do Brics (leia no final), o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Pedro Stedile reafirmou a solidariedade com o povo boliviano e a necessidade de ações contra as investidas do capital financeiro.

“Precisamos de vontade política e deliberação para fazermos algum movimento anti imperialista. Contra Donald Trump, que espero que caia, e contra outros imperialistas que às vezes se manifestam em nossas regiões. Os companheiros árabes vivem falando sobre ações imperialistas de Israel e da Arábia Saudita, assim como os companheiros curdos denunciam a política imperialista do governo turco”, disse Stedile.

O coordenador do MST resumiu as ações imperialistas que influenciam nas políticas locais e promovem, entre outras influências, golpes de Estado, como “apenas uma expressão dos interesses do capital”. “Podemos fazer essa luta anti-imperialista como uma forma de enfrentar os interesses do capital que agora se manifestam, inclusive, utilizando métodos fascistas. Em cada um dos nossos países há símbolos da ação do imperialismo; seja pelos governos, seja por corporações internacionais; Monsanto, Bayer, Banco Mundial. Eles estão presentes em todo o mundo e contra eles vamos nos insurgir.”