O ministro da Educação, Milton Ribeiro, vem gerando polêmicas em torno de diversos temas. Nem mesmo a bancada evangélica parece satisfeita com ele.

 

Fundamentalismo

No dia 10 de setembro, o atual ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, afirmou em entrevista que jovens brasileiros que não acreditam em Deus se tornaram “zumbis existenciais”. Em outro momento, no dia 24 de setembro, disse ao jornal O Estado de São Paulo que a homossexualidade de jovens está ligada a “famílias desajustadas”, além da educação sexual ser utilizada para o incentivo de discussões de gênero e afins. A Procuradoria-Geral da República pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito para a apuração de um crime de LGBTfobia por parte do ministro. Ainda sobre Milton Ribeiro, a bancada evangélica parece insatisfeita com a atuação do ministro após ele ter declarado que não representa nenhum setor, “nem mesmo o evangélico”.

O teólogo Ronilso Pacheco entrevistou a professora Kristin Kobes Du Mez (Calvin University, em Michigan) sobre o seu novo livro “Jesus e John Wayne: Como os evangélicos brancos corromperam uma fé e fraturaram uma nação”. Du Mez apresenta a construção do “evangelicalismo como um movimento religioso e cultural, e por se concentrar na cultura popular evangélica, muitos evangélicos reconhecem suas próprias histórias como parte dessa história maior.” A leitura da entrevista traz elementos importantes para pensarmos a conjuntura do fundamentalismo brasileiro.

O evangelicalismo brasileiro tem chegado a terras distantes, como o Japão. A BBC News trouxe histórias de missionários dekasseguis (descendentes japoneses que migram para trabalhar temporariamente no país) que tem espalhado o Evangelho pelo país asiático, que tem 1,1% da população cristã. O artigo aborda o crescimento das igrejas pentecostais e neopentecostais, trazendo vozes dos missionários e pesquisas acadêmicas sobre o tema.

A revista Piauí aponta o impacto da religião nos policiais, com base na pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com a Decode Pulse. A matéria reflete sobre a conexão da fé e da bala, sendo os policiais, pela leitura pentecostal, enviados de Deus para fazer justiça, como “matar o inimigo”. Essa visão autoritária também tem relação com a adesão desse setor ao bolsonarismo. Embora os policiais evitem declarações religiosas nas redes, os evangélicos são os que mais se manifestam no assunto, publicando conteúdos relacionados às igrejas pentecostais e neopentecostais.

 

Teologia do domínio

A bancada evangélica tem pressionado pelo ministro “terrivelmente evangélico” no STF. Jair Bolsonaro afirmou no dia 28 de setembro, em um café da manhã com membros da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), que as próximas indicações ao STF estarão em sintonia com os “valores” do governo. Ainda disse que indicaria dois nomes: um evangélico e outro conservador. Os nomes cotados são: Jorge Oliveira (ministro da Secretaria-Geral da Presidência), André Mendonça (ministro da Justiça e pastor presbiteriano); William Douglas (pastor apoiado por Flávio Bolsonaro e Silas Malafaia), João Otávio Noronha (ex-presidente do STJ e concedeu prisão domiciliar a F. Queiroz) e Augusto Aras (Procurador-geral da República). A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, foi questionada sobre a possível indicação de seu nome, porém respondeu em entrevista que não se sente “à altura”.

O Ministério Público Federal (MPF) defende a cassação dos passaportes diplomáticos do fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus, o apóstolo Valdemiro Santiago e a sua esposa, a bispa Franciléia, e do fundador da igreja Internacional da Graça, o missionário R.R. Soares. Para o procurador regional da República, Luiz Carlos Santos Gonçalves, o passaporte diplomático, concedido pelo presidente Bolsonaro, é uma infração no princípio do Estado Laico, pois privilegia determinada fé e discrimina outras.

 

Perdão de dívida

No início do mês de setembro, o Congresso Nacional aprovou um projeto que anulava as dívidas das igrejas à Receita Federal. Tais dívidas, acumuladas após multas e fiscalizações, somam cerca de R$ 1 bilhão. O projeto foi de autoria de David Soares, filho do pastor R.R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus – instituição que soma R$ 37,8 milhões de dívida, além de outras cobranças milionárias. Apesar das igrejas serem isentas do pagamento de impostos, alguns recolhimentos ainda são necessários, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ou a contribuição previdenciária. Agora, o projeto precisa apenas ser sancionado pelo Bolsonaro.

Segundo levantamento do GLOBO, 61% dos 67 parlamentares pré-candidatos às prefeituras se posicionaram a favor da proposta. A maioria pertencem aos partidos PSB, PSL, Republicanos, PSD, DEM, MDB, Podemos e PP. Alguns candidatos contrariaram o partido, como o caso de três pré-candidatos do PT que votaram a favor do projeto.

Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), um dos principais nomes da Bancada Evangélica, defendeu o perdão de dívidas e utilizou o termo “anistia a multas indevidas”, por considerar que seriam “multas aplicadas por perseguição política na época do PT”.

Antes de ter tomado uma decisão definitiva e com todo cuidado com seu pilar de sustentação política, Bolsonaro havia dito que gostaria de sancionar e perdoar as dívidas, mas que precisava encontrar um amparo jurídico, pois poderia cometer um crime de responsabilidade passível de impeachment. Orientado por sua equipe econômica, Bolsonaro vetou o projeto no dia 11 de setembro.

Após a comunicação do veto, o presidente escreveu nas redes sociais que “caso fosse Deputado ou Senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo.”

Silas Câmara (Republicanos-AM), presidente da bancada evangélica, disse ao GLOBO que “em um projeto de lei aprovado por 345 deputados federais e aprovado por unanimidade no Senado, a chance de a gente não derrubar o veto é zero”. Em diálogo com os evangélicos, Bolsonaro afirmou que enviaria uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para solucionar da melhor maneira a “imunidade das igrejas nas questões tributárias.

Para compreender o tamanho da dívida, a revista Piauí fez uma série de matérias que compararam, em gráficos e ilustrações, a questão: i) As igrejas e associações ligadas a elas somam dívidas de ao menos R$ 1,3 bilhão, enquanto todos os times de futebol dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro devem R$ 491 milhões à União; ii) “Quatro igrejas respondem, juntas, por mais de 20% da dívida total das igrejas e associações religiosas. São elas a Igreja Internacional da Graça de Deus (R$ 145,3 milhões), a Igreja Mundial do Poder de Deus (R$ 90,5 milhões), a Igreja Apostólica Renascer em Cristo (R$ 33,4 milhões) e a Associação Vitória em Cristo (R$ 35,7 milhões)”; iii) A Igreja Internacional da Graça de Deus, do missionário R.R. Soares, deve R$ 145,3 milhões à União. Quase o mesmo valor que todos os centros de espiritismo e umbanda listados na dívida pública do país – juntos, eles acumulam débitos de pelo menos R$ 156 milhões; iv) “A Igreja Mundial do Poder de Deus, do pastor Valdemiro Santiago, tem dívidas registradas de R$ 90,5 milhões com a União. É mais que o dobro das dívidas em nome da Associação Vitória em Cristo, do ministério do pastor Silas Malafaia, que deve R$ 35,7 milhões.”

As críticas ao projeto vieram de diversos lugares. Aluizio Falcão Filho, em uma análise teológica em uma matéria da Exame, conclui que é preciso dar “a César o que é de César; a Deus o que é de Deus”. Ou seja, no que depender do livro sagrado, impostos precisam ser pagos por todos, o que inclui pastores, bispos e missionários. Rui Martins, em sua publicação ao Brasil de Fato disse que “as igrejas evangélicas, além de uma série de isenções, não querem também pagar impostos – um bilhão de reais acumulados, num país de desempregados e de pobres.” A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu um comunicado criticando o perdão das dívidas e citando “interesses particulares”. O ex-presidente Lula também fez suas considerações sobre a proposta, afirmando que “a conta não pode ficar nas costas do povo.

 

Caso Flordelis

A deputada e pastora Flordelis (PSD-RJ), acusada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro de ser a mandante do assassinato de seu marido, o pastor Anderson do Carmo, em junho de 2019, em Niterói (RJ), divulgou uma nota no dia 4 de setembro negando as acusações. Matérias foram divulgadas sobre a história da família, dos filhos adotados e das relações complicadas nos bastidores.

Enquanto isso, cinco das sete igrejas do Ministério Flordelis foram fechadas. Segundo o UOL, a igreja que já teve 5 mil membros, hoje possui 200 pessoas que integram esse apoio à líder. O destino de Flordelis ainda está sendo decidido; nas primeiras semanas de setembro, iniciou-se um processo de disciplina à deputada na Corregedoria da Câmara dos Deputados. A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso divulgou nota no dia 3 de setembro dizendo considerar “reprovável e repugnante” o comportamento “daqueles que tentam nivelar o segmento evangélico do Brasil pelo ocorrido com a deputada federal Flordelis (PSD-RJ)”.

 

Cristofobia

A chamada Cristofobia foi citada por Bolsonaro em discurso de abertura na 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), contradizendo pesquisas brasileiras sobre intolerância e perseguição religiosa. Os dados mais recentes que foram divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, liderado por Damares Alves, apontou que ao menos 30% das denúncias de intolerância religiosa foram realizadas por fiéis de tradições de matriz africanas. Pesquisadores como Ronilso Pacheco apontam o uso da Cristofobia como estratégia no período eleitoral para candidaturas ultraconservadoras e uma supremacia cristã. Em sua coluna no UOL, o teólogo diz que “o discurso da “cristofobia” nasce como ressentimento, deboche e negação do conceito de “homofobia”. Portanto, “cristofobia” não é conceito, foi uma palavra inventada por conservadores e fundamentalistas cristãos para rechaçar a realidade de perseguição, violência e preconceito vivenciados por muitas pessoas da comunidade LGBTQI+.” Essa temática tem se tornado palanque para pré-candidaturas conservadoras, como a deputada federal católica Chris Tonietto (PSL-RJ), que afirmou que vem acontecendo “investidas anticristãs” e que há uma tendência, no Brasil e no mundo, de um “espírito laicista”. Como diria Flávia Oliveira em sua coluna, a fobia é ao axé!

A pesquisadora Esther Solano fez uma reflexão interessante em sua página no Facebook sobre o uso do termo por Bolsonaro e o cuidado que o campo progressista deve ter ao se manifestar sobre esse assunto: “Vi piadas e chacotas por aqui a com a questão da Cristofobia que Bolsonaro citou nas Nações Unidas. Espero que essa mesma gente entenda a seriedade da questão. Bolsonaro não estava falando para você, para nós, ele está pouco se lixando com nossas piadas. Bolsonaro estava falando para sua base, para seu público, para um público religioso, para milhões de brasileiros. E a Cristofobia faz sentido, sim, para esse público. Foi construída uma retórica bolsonarista muito forte de que a esquerda é inimiga da religião e isso faz com que muitas pessoas se sintam atacadas pessoalmente pelo campo progressista. Durante a campanha de 2018 entrevistei varias mulheres periféricas que sentiam um medo enorme de uma possível vitoria do PT porque tinham certeza que estando este no poder tentaria destruir sua fé. Foi por isso que estas mulheres que entrevistei votaram em Bolsonaro. O que a gente trata como folclore, como caricatura ridícula, faz sentido para milhões de brasileiros, influencia sua opinião e seu voto. Se a gente só fizer piada e não levar estas questões a sério, não disputar estes valores, Bolsonaro, Damares, os pastores continuarão falando e convencendo.”

 

Gênero e sexualidade

No mês de setembro, a Igreja Batista da Lagoinha se tornou o centro das atenções com discursos homofóbicos. No primeiro momento, o pastor e cantor André Valadão afirmou que gays cristãos precisariam reconhecer o “seu lugar” e não deveriam frequentar igrejas, e sim “clubes gays”. Após esse episódio, foi resgatado um vídeo de 2016, gravado no Congresso Diante do Trono (ministério de louvor da igreja), de uma fala da pastora e cantora Ana Paula Valadão, que dizia que “ser gay não é normal” e que “a aids está aí para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte”. Após a repercussão, no dia 20 de setembro ocorreu uma manifestação de ativistas religiosos e ativistas LGBTI+ na porta da igreja. Em entrevista, o ativista Thiago dos Santos disse que “o nosso principal objetivo era tocar em dois aspectos muito específicos: a Ana Paula, devido à questão do HIV como uma doença específica de homossexuais, algo que a própria OMS já contesta. E o Valadão, que fez uma fala homofóbica e inconstitucional, já que proibir qualquer pessoa de entrar em uma instituição religiosa por questão de identidade de gênero é ilegal”. Diante das manifestações homofóbicas, evangélicos progressistas se mobilizaram para defender a igualdade de gênero e se contrapor à mercantilização da fé nas grandes igrejas. Para a colunista da Carta Capital, Magali Cunha, os Valadões não possuem o monopólio da fé, e ressalta que, no Brasil, o número de movimentos religiosos LGBTI+ vem crescendo, como “Jesus Cura a Homofobia” e “Evangelicxs pela diversidade”, além das igrejas chamadas “inclusivas, por acolherem a população LGBTI+ e suas famílias, tendo pastores e pastoras homotransafetivas.

O silêncio da ministra Damares Alves sobre o caso da criança capixaba de 10 anos que realizou um aborto legal, após engravidar de estupros cometidos por seu próprio tio, foi apenas uma cortina de fumaça. A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos agiu sorrateiramente para que o procedimento fosse impedido. Segundo a Folha, a operação coordenada pela ministra consistia em “transferir a criança de São Mateus (ES), onde vivia, para um hospital em Jacareí (SP), onde aguardaria a evolução da gestação e teria o bebê, apesar do risco para a vida da menina.” Embora diversos grupos religiosos, católicos, evangélicos e espíritas tenham dito e cometido inúmeras violências no caso da criança, existem ativistas que utilizam da sua fé para promover justiça de gênero, como demonstra a matéria do HuffPost Brasil, “Evangélicas e católicas feministas utilizam a própria fé para defender o direito ao aborto”, citando grupos das Católicas pelo Direito de Decidir e das Evangélicas pela Igualdade de Gênero.

 

Evangélicos progressistas

Magali Cunha alerta que não devemos generalizar os evangélicos, que a parcela da resistência dentro da fé é uma “minoria inegavelmente importante”, fazendo coro com o pesquisador Joanildo Burity. Os evangélicos progressistas têm se apresentado cada vez mais para a construção da política institucional. A Bancada Evangélica Popular se contrapõe às políticas conservadoras e fundamentalistas de outros setores evangélicos. Por hora, a bancada conta com 20 pré-candidatos de diversos partidos de esquerda em todo o Brasil, principalmente no estado de São Paulo.

Frente ao racismo estrutural no país, teólogos e ativistas tem se posicionado e construído em mídias não religiosas a Teologia Negra. Retomando nomes como Martin Luther King, James Hal Cone e outros, o movimento negro evangélico tem resistido e criado alternativas para a fé evangélica negra no país.