Queridos amigos e amigas,

No dia 5 de maio, Marx completaria 200 anos. Há tempos que o desejo de seus inimigos era que seu projeto fosse rapidamente enterrado e esquecido. Em seu texto Dezoito de Brumário, Marx escreveu sobre o processo revolucionário da Europa em meados do século XIX, com foco na França. As forças revolucionárias, disse Marx, primeiro derrubariam a monarquia e então constituiriam o poder parlamentar. O estabelecimento de um parlamento iria aprofundar as demandas do povo, que tiraria os donos das propriedades e se encarregaria da sociedade. Nessa altura, escreveu Marx, “a Europa saltará do seu assento e exclamará: Belo buraco, velha toupeira!” Esta é uma piscadela para Hamlet. Marx amava Shakespeare. A revolução, para Marx, é a velha toupeira que penetra profundamente no solo da história e, de vez em quando, põe a cabeça para fora. É a falsa ideia daqueles que afirmam que nada vai mudar. Mas então, a velha toupeira surge quando menos se espera.

Escrevo para vocês de Paris, onde há uma comemoração dos eventos de 1968. Na parede, onde uma discussão aconteceu sobre as  revoluções, está escrito a frase – “Não chore 68. Organize 2018”. Os estudantes ocuparam edifícios em toda a cidade. Eles estiveram em uma batalha campal contra o governo de Macron. Esta não é uma situação revolucionária em nenhum sentido. Mas é um grito no escuro contra o sufoco da sociedade. Os trabalhadores ferroviários franceses estarem em greve no mesmo tempo sugere as tendências ocultas. A toupeira de Marx não está totalmente adormecida.

Certamente não está adormecida na Índia, onde os movimentos dos pequenos agricultores foram muito fortes. Em Maharashtra, como eu havia escrito anteriormente, dezenas de milhares de pequenos agricultores marcharam quase 200 quilômetros até Mumbai, a capital comercial da Índia, onde forçaram o governo do Estado de direita a atender às suas exigências. Esta Grande Marcha de Kisan é um evento monumental. Na LeftWord Books, produzimos um livro ilustrado muito curto (64 páginas) com ensaios do presidente da movimento dos camponeses da Índia, All India Kisan Sabha (AIKS), Ashok Dhawale, e meu colega da LeftWord Books, Sudhanva Deshpande, bem como um prefácio de P. Sainath (fundador da Arquivo do Povo da Índia Rural e membro sênior da Tricontinental). O livro está disponível em formato impresso por um custo muito razoável. Pode ser baixado gratuitamente aqui.

A Longa Marcha de Kisan foi organizada pelo All-India Kisan Sabha e por outras organizações. O Kisan Sabha é a frente de massas do Partido Comunista da Índia (Marxista), que realizou recentemente o seu 22º Congresso do Partido em Hyderabad. Os debates em Hyderabad foram fortes e precisos. Eles mostraram a seriedade do propósito dos comunistas em lutar contra o implacável governo de Narendra Modi. O Partido Comunista da Índia – PCI (M) é um entre os divesos grupos organizados mundo a fora que empurram a Velha Toupeira, lutando em seus locais por melhores condições e elevar a consciência por um mundo melhor. No Newsclick, fiz um breve artigo sobre o Congresso e sobre a necessidade de construir plataformas como o PCI (M) com seu compromisso com o povo e com a criação de uma sociedade onde o ‘livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos” (Manifesto Comunista). Você pode ler aqui.

Do outro lado do Oceano Índico, na Zâmbia, o Partido Socialista continua na luta contra as duras adversidades. Eles agora têm um site, que você pode ver aqui (eu escrevi sobre as condições na Zâmbia, aqui, que fornecem algumas linhas sobre porquê o Partido Socialista é necessário para o país).

Ao norte da Zâmbia, no Marrocos, as lutas populares continuam contra enormes dificuldades. No Dawn, há uma entrevista com Abdallah El Harif, um dos líderes do Caminho Democrático. Tive o prazer de conhecer Abdallah El Harif há alguns meses. Ele me contou o período que passou nas masmorras do Marrocos, onde foi mantido na escuridão. Não obstante, Abdallah El Harif continua sendo um humanista e um homem maravilhoso, cheio de esperança no futuro. A prisão não o quebrou. Fortaleceu sua determinação. Por favor, leia a entrevista dele aqui. Infelizmente, a entrevista não trata sobre sua vida, que é uma inspiração para nós. É comum que as pessoas de esquerda falem das lutas ao nosso redor e não de si mesmas. Ele se refere na entrevista aos eventos em Jerada, onde o povo da cidade lutou com grande coragem contra as condições nas minas e a negligência pelo estado por suas vidas (eu escrevi sobre isso aqui).

Marrocos rompeu recentemente os laços com o Irã sob pressão da Arábia Saudita e dos Estados Unidos. Faz parte da tentativa de isolar o Irã. Do outro lado do Oceano Atlântico, os Estados Unidos e seus aliados também pressionaram vários países da América do Sul e da América Central a romperem laços com a Venezuela. Esta é uma intervenção padrão nos manuais dos Estados Unidos – forçar os Estados mais fracos a romper com os adversários dos Estados Unidos e ameaçar derrubar esses governos isolados. Muito mais do que a intervenção russa nas eleições dos EUA.

Contudo, uma alternativa é apresentada pelas Coréias, como sugeri na semana passada. O aperto de mão do outro lado da fronteira que divide as Coréias projeta a possibilidade de outra rota para além da guerra. É um chamado para o povo da Índia e do Paquistão de que é possível outro caminho, se forem colocados de lado antigas diferenças e se o jogo da geopolítica não definir a sede dos povos pela paz. Porém, existem muitos temas mais complexos ainda não resolvidos. Kim, da Coréia do Norte, se encontrará com o presidente Trump dos Estados Unidos. O que virá desse encontro? É improvável que os EUA reduzam sua presença militar no nordeste da Ásia.

Mas é preciso dizer que os Estados Unidos não são mais o poder único que define as relações internacionais. Antes de Kim fazer seu gesto para a Coréia do Sul, ele visitou Pequim. A China ajudou a construir alguns dos pontos para este acordo de paz. É importante reconhecer que o que está acontecendo nas Coréias não é como o que aconteceu nas Alemanhas. Os diplomatas da Coréia do Norte estão cientes dos várias liões das outras experiências: a lição alemã, a lição líbio-iraquiano e a lição do Irã. Eles não são ingênuos sobre sua posição. Mas, como observei esta semana na Alternet, os termos da ordem global mudaram desde os anos 90 e 2000. Não vivemos mais em um mundo totalmente unipolar. China e Rússia têm se colocado de maneiras diferentes. Isto é o que dá a Kim a confiança para buscar um acordo de paz que ele sabe que não é equivalente a se render. Você pode ler minha avaliação aqui. (Há informações básicas úteis sobre a crise na península coreana no primeiro dossiê da Tricontinental).

Por fim, o odor do gás lacrimogêneo permaneceu no Primeiro de Maio em Paris. Os protestos de estudantes e trabalhadores foram recebidos com repressão policial. Não havia espaço nas ruas para o falso liberalismo de Macron. Os sorrisos na televisão não chegam às ruas. O mesmo acontece em Porto Rico, uma ilha em enormes dificuldades. Os furacões do ano passado devastaram a ilha – uma colônia efetivamente dos Estados Unidos. Alívio e reconstrução não são suficientes (aqui está meu artigo de outubro passado que compara a reconstrução em Porto Rico com Cuba). As medidas de austeridade continuam a ser infligida sobre o povo. No Primeiro de Maio, o povo foi às ruas e foi recebido com uma pesada repressão. A foto acima, tirada por Edwin Morales Laboy, fornece uma noção do ocorrido – um policial que se assemelha aos militares lançando substâncias químicas na cara de um manifestante desarmado.

É muito para a democracia. A Velha Topeira está ficando inquieta.

Cordialmente, Vijay.