Observatório da Questão Agrária

 

N° 03/20

 

Síntese: A estratégia do governo de Jair Bolsonaro está cada vez mais escancarada ao atropelar qualquer limite imposto pelo regramento legal para avançar com seu projeto de entrega dos bens da natureza para a exploração do capital. Essa ideia ficou mais clara quando verbalizada pelo ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, ao afirmar que este seria o momento ideal para ir “passando a boiada” e alterando regras infralegais enquanto a imprensa “só fala de Covid”. A união de esforços do governo “para dar de baciada na simplificação” já estava em andamento, como a MP 910 transformada no PL 2633/2020, o PL da Grilagem, com o relaxamento da fiscalização ambiental e mudanças de protocolos e regulações na área ambiental, refletindo no aumento do desmatamento. Neste mês trazemos as principais notícias de maio em relação ao agronegócio e a questão ambiental.

Passando a boiada…

No fatídico vídeo da reunião ministerial de 22 de abril que veio a público por determinação do STF, o ministro do meio ambiente Ricardo Salles verbalizou a intenção de avançar na agenda de desregulamentação da área ambiental. O momento, segundo o ministro, seria propício para alterações infralegais, já que a imprensa só fala sobre a pandemia do Covid-19. “Pra isso ter esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade e no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, de Ministério da Agricultura, de Ministério do Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação, regulam, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos”, disse o ministro durante a reunião.

A deplorável fala de Salles lhe rendeu uma manifestação de apoio por parte de grandes instituições representantes do agronegócio, como CNA, APROSOJA, Sociedade Rural Brasileira, usineiros e instituições de setores do comércio e indústria, totalizando cerca de 70 entidades. A nota destas instituições, intitulada de “No meio ambiente, burocracia também mata”, foi publicada em página inteira em grandes veículos de comunicação. Em um dos trecho, as entidades afirmam que também condenam “a agenda burocrática que utiliza a bandeira ambiental como instrumento para o travamento ideológico e irrazoável de atividades econômicas cumpridoras das leis e essenciais ao desenvolvimento econômico do país. Tal agenda afasta investimento e subtrai empregos, gerando grande pobreza em vez de respeito ao meio ambiente. As ações do Ministério do Meio Meio Ambiente, na defesa da legislação e dos interesses ambientais com sensibilidade ao desenvolvimento do país de forma sustentável e legítima, contam com nosso total apoio”.

Em contraposição a esse posicionamento, entidades ligadas à pauta ambiental lançaram a campanha #Nomeaosbois para expor as marcas que estariam apoiando a fala e as políticas do Ministério do Meio Ambiente. A campanha é puxada pelo Observatório do Clima, Greenpeace e ClimaInfo.

A agenda do governo durante a pandemia tem apontado para o atendimento das demandas das suas principais bases de apoio, como os ruralistas, armamentistas, igrejas evangélicas, madeireiros e desmatadores. Segundo aponta reportagem do El País, após pouco mais de dois meses da pandemia, o governo Bolsonaro dava sinais de que não reprimiria garimpeiros ilegais em terras indígenas, além de exonerar os responsáveis pela fiscalização. O ministro Ricardo Salles sinalizou para os órgãos responsáveis pela fiscalização de desmatamento para desconsiderem a Lei da Mata Atlântica, que prevê a recuperação de áreas desmatadas irregularmente antes de 2008. No lugar, propôs alteração que permite desmatar áreas menores de 150 hectares sem autorização do IBAMA.

Um levantamento realizado pela SOS Mata Atlântica em parceria com o Inpe registrou aumento de 27,2% no desmatamento no bioma da Mata Atlântica; cerca de 14.502 hectares desse bioma foram derrubados entre 2018 e 2019. O estado de Minas Gerais registrou a maior área desmatada, com 4.972 hectares. O estudo relaciona esse desmatamento com a derrubada de mata nativa para a produção de eucalipto e ferro-gusa. O segundo estado que mais desmatou foi a Bahia, com 3.523 hectares, relacionados a expansão agropecuária na região do MATOPIBA.

O Relatório Anual do Desmatamento no Brasil do MapBioma, publicado em 26 de maio, aponta que o território brasileiro perdeu 1.218.708 hectares em 2019, o que equivaleria a 8 vezes o município de São Paulo. O bioma amazônico representando 60% do desmatamento neste período, com 770 mil hectares, seguido pelo Cerrado, com 408,6 mil hectares, Pantanal, com 16,5 mil, Caatinga, com 12,1 mil hectares, e a Mata Atlântica, com 10,6 mil hectares desmatados.

PL da Grilagem

Na esteira da busca do capital de se apropriar das terras públicas, no dia 14 de maio foi apresentado o PL 2633/2020 (PL da Grilagem), de autoria do deputado Zé Silva (Solidariedade – MG), que substitui a MP 910, que caducou após ter esgotado seu prazo de validade para votação no Congresso Nacional. O PL busca regularizar com dispensa de vistoria terras ocupadas irregularmente de até 6 módulos ficais.

O projeto de lei é criticado por movimentos populares, centrais sindicais, pastorais, movimentos de direitos humanos e por alguns setores do agronegócio. Caso seja aprovado, o PL tem potencial de incentivar ainda mais as grilagens de terras públicas e o desmatamento, principalmente na Amazônia.

A Sociedade Rural Brasileira também critica o PL 2633/2020. Entretanto, a entidade considera que o projeto não é amplo o bastante, e defendem que o tamanho das áreas a serem regularizadas com dispensa de vistoria deveria ser de até 15 módulos ficais, como dizia a MP 910.

Agrotóxicos

A tendência para 2020 é que os números relacionados aos agrotóxicos superem os de 2019. Segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal (Sindiveg), a área tratada com agrotóxicos no primeiro trimestre teve alta de 7,3% em relação ao mesmo período de 2019, com 550 milhões de hectares e um volume de 346 mil toneladas. As culturas da soja, milho, cana-de-açúcar, café e algodão representam 90% do total no período.

O agronegócio em meio à pandemia

Em meio ao aprofundamento da crise causada pela Covid-19, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) prevê crescimento de até 2,5% do PIB da agropecuária para 2020. A projeção levou em consideração o levantamento da safra realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aponta para safra recorde da soja no período 2019/2020, e por projeções otimistas para a safra do café. Com a piora do cenário econômico, o IPEA considera que o PIB da agropecuária deve ficar positivo em 1,3%. O estudo indica que o resultado positivo é puxado pela lavoura, enquanto a pecuária teria uma queda de 2% do PIB deste setor, puxado principalmente pela baixa na cadeia da carne bovina.

A soja teve um incremento de 6,7% em volume no ano de 2020; destaca-se também o desempenho do arroz, com crescimento de 3,5%. O levantamento do IBGE aponta que a agropecuária foi o único componente, pela ótica da oferta, que teve crescimento do PIB no 1º trimestre, aumento de 0,6% vis-à-vis os últimos 3 meses.

Como indicamos no informe de abril do Observatório da Questão Agrária do Instituto Tricontinental, a cadeia de processamento de carnes têm sofrido grande impacto por conta das contaminações dos trabalhadores dos frigoríficos. Tanto no Brasil quanto em outros países, como nos EUA, as plantas da JBS, por exemplo, tiveram que paralisar suas operações. No país os frigoríficos tem sido obrigados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) a adequar suas plantas para evitar a contaminação dos trabalhadores. O jornal Valor Econômico informa que a interdição do frigorífico da JBS em São Miguel do Guaporé, em Rondônia, aconteceu após identificarem que 60% dos infectados da cidade eram funcionário da empresa. No Tocantins, a Minerva opera com 70% da capacidade, e a Marfrig, em Mato Grosso, teve liminar do MPT para adequar linhas de produção quando constatadas infecções entre os trabalhadores.

Segundo o Valor, a JBS irá protocolar pedido para sacrificar 650 mil frangos que estão em granjas; a unidade de processamento no municípios de Ipumirim, em Santa Catarina, está interditada.

O pós-pandemia também sido a preocupação de setores do agronegócio, como apontamos no relatório do debate entre ex-ministros da agricultura. O Ministério da Agricultura também aponta desafios para um cenário em que o mundo estará mais empobrecido, mais protecionista e preocupado com questões sanitárias. Segundo o MAPA e seus adidos agrícolas, haverá a ascensão de um “nacionalismo agrícola”, que privilegiará a produção local e a soberania alimentar em detrimento das importações. Neste cenário, o agronegócio deverá buscar “acordos comerciais abrangentes” para ter acesso aos mercados, em especial os considerados estratégicos como China, Coreia do Sul, Japão e Vietnã.

No entanto, a política externa brasileira tem gerado preocupação com o risco de um “lockout internacional”, principalmente pela combinação da escalada do coronavírus no país, com risco de nos tornarmos o novo epicentro da doença e pela “desconexa política externa do governo Bolsonaro”. A página BrasilAgro aponta alguns indícios desse processo, como a sugestão do governo chinês para que seu parque industrial antecipe compras de soja e forme estoques, além da perda de representatividade em organismos multilaterais, como exemplo da saída antecipada de Roberto Azevedo da Organização Mundial do Comércio (OMC).