Kerala, 2019. Foto: Sivaprasad Parinhattummuri.
Queridos amigos e amigas,

Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Em 1º de janeiro, 5,5 milhões de mulheres formaram um muro de 620 quilômetros em toda a extensão do estado indiano de Kerala (população de 35 milhões). Não era como o muro de Donald Trump na fronteira dos EUA com o México, um muro de desumanidade e toxicidade. O muro dessas mulheres era de liberdade, um muro contra tradições cujo propósito é humilhar.

A razão imediata para a muralha das mulheres foi a luta pela entrada delas no templo de Sabrimala, ao sul de Kerala. Em 28 de setembro de 2018, a Suprema Corte da Índia determinou que elas podem entrar no templo, já que a proibição seletiva das mulheres não era uma “parte essencial” do hinduísmo, mas sim uma forma de “patriarcado religioso”.

O governo da Frente Democrática de Esquerda em Kerala abraçou a decisão e travou uma luta nas ruas contra os grupos reacionários de direita – incluindo o partido no poder na Índia, o Bharatiya Janata Party (BJP). Em outubro, o ministro-chefe de Kerala – Pinarayi Vijayan, líder do Partido Comunista da Índia (Marxista) – proferiu um importante discurso em defesa da quebra de costumes. Se uma tradição é um grilhão, deve ser quebrada. Vijayan fez a convocatória para que esse muro fosse construído por mulheres em 1º de janeiro. Pessoas de todo o estado responderam com entusiasmo. Uma centena de reuniões públicas foram realizadas nos últimos meses de 2018 para fortalecer o apoio; 175 organizações progressistas aderiram à campanha. Às 16h, as mulheres ficaram firmes. Elas fizeram um juramento de lutar por sua emancipação e conservar os valores das tradições renascentistas de Kerala.

K. K. Shailaja, ministro da Saúde de Kerala e líder do Partido Comunista da Índia (Marxista), estava na cabeceira do muro em Kasaragod, no norte do estado. O muro terminava em Thiruvananthapuram, a capital, onde a última pessoa na corrente humana era a líder do Comitê Central do Partido Comunista da Índia (Brista Karat). Semana que vem, no 12º dossiê do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social trará uma entrevista com Brinda Karat sobre as eleições gerais indianas que acontecerão em 2019 e sobre os desafios da esquerda indiana. Fique de olho. “Este muro”, disse Karat, “não é apenas para as mulheres de Kerala. É para todas as mulheres do país”. Ela poderia ter dito ao mundo que olhe para as lutas em Kerala como um exemplo de como viver nestes tempos turbulentos.

A fotografia acima foi tirada por Sivaprasad Parinhattummuri. No centro da foto está Athira, uma líder da esquerda de Kerala. Ela é atualmente membro do Comitê Distrital de Malappuram da Federação Democrática da Juventude da Índia. Ela era ex-membro do Comitê do Estado de Kerala da Federação Estudantil da Índia. Athira havia sido presa por sua participação em uma luta estudantil na Universidade de Calicut. Ela segura sua filha de seis meses, Duliya Malhar.

Encorajadas pelo Muro, duas mulheres – Bindu Ammini (uma advogada que leciona na Universidade de Kannur) e Kanakadurga (que trabalha para a Corporação de Suprimentos Civis de Kerala) – entraram no templo Sabrimala. A história está do lado delas.

Havana, 1959. Foto: Burt Glinn.
“Eles transformaram Cuba em um antro de jogos de azar”, cantou o poeta Carlos Puebla, “e então chegou Fidel “. Enquanto as mulheres de Kerala se reuniam para formar seu muro, o povo de Cuba celebrava o sexagésimo aniversário de sua revolução. Nesses sessenta anos, Cuba enfrentou uma guerra econômica por parte dos Estados Unidos e das oligarquias da América Latina. O governo revolucionário e sua população altamente militante lutam para evitar a invasão, o assassinato, assim como o estrangulamento econômico. Não passou um dia sequer em que os cubanos pudessem descansar tranquilos: o ditador derrotado fugiu com o dinheiro de Cuba, o governo dos EUA iniciou sua política de desestabilização, o antigo sistema colonial baseado na plantation de cana-de-açúcar perdeu investimento e a ilha se tornou – como Puebla cantou – um antro para jogadores. A ajuda da URSS não conseguiu superar o fardo de uma longa história de escravidão colonial e dominação imperial.

Quando a URSS entrou em colapso em 1991, Cuba perdeu um pilar essencial de apoio. Entrou no Período Especial e cambaleou nos últimos 25 anos, protegendo-se das ameaças dos EUA e das armadilhas da globalização. Vinte anos atrás, em 1999, Fidel Castro falou sobre os perigos do “gigantesco cassino”, com financiamento para superar as necessidades dos seres humanos. O dinheiro é emprestado para produzir mais dinheiro, mas não para curar doenças ou para abrigar sem-teto. Não há proteção contra a ganância, apenas uma das muitas emoções humanas. Castro descreveu o imperialismo das altas finanças como “lobos, agrupados em bandos e auxiliados por programas de computador”. Esses lobos, disse ele, “sabem onde atacar, quando atacar e quem atacar”. Eles querem transformar Cuba em um antro de jogatina novamente.

Hoje, a revolução de Cuba está em grave perigo (como relato em minha coluna). O presidente dos EUA, Donald Trump, fixou o garrote no pescoço dos cubanos e ameaçou puxar com mais força. As finanças viraram as costas para a ilha, que assiste à sua aliada Venezuela debater-se sob as mesmas pressões (consulte o nosso dossiê do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social sobre a situação na Venezuela). Não existe um “mercado” que decida, por mágica, atacar Cuba e a Venezuela. Eles estão enfrentando um ataque político, a guerra do dinheiro, a corda sufocante, a luta por ar.

Para homenagear o 60º aniversário da Revolução Cubana, Tings Chak – designer do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social – escreveu um fabuloso artigo sobre a efervescência cultural que eclodiu após a revolução de 1959. Sete anos depois, em 1966, o governo cubano sediou a Conferência Tricontinental – um marco no movimento anticolonial e socialista. A partir deste evento cresceu a Organização da Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina (OSPAAAL), com sede em Havana (Cuba). A OSPAAAL publica o jornal Tricontinental, cuja obra de arte inspirou uma geração para causas revolucionárias. Tings, para o nosso Instituto, trabalha na tradição da equipe liderada por Alfredo Rostgaard. Estamos orgulhosos de estar nessa linhagem.

Acima, veja sua homenagel para Fidel CAstro – parte de uma ótima séria sobre revolucionários produzidos pela Tings.

Jacob Lawrence, Toussaint L’Ouverture Serigraph Series, 1987.
Da África do Sul, Richard Pithouse – editor do New Frame e parte de nossa equipe da Tricontinental escreve um ensaio sobre a dialética aberta no final da Guerra Fria. O liberalismo forneceu às elites da globalização seu vocabulário, enquanto o espaço político canibalizou a sociedade e empobreceu centenas de milhões de pessoas. As elites dominantes brincaram com os neofascistas como uma forma de atacar os movimentos dos povos emergentes.

O Brasil, atualmente, é um exemplo disso. Em 1º de janeiro, Jair Bolsonaro, da extrema direita, tomou posse como presidente. Ele é o produto de uma estratégia de terra arrasada contra a esquerda por parte das classes dominantes. Sua antipatia pela esquerda e pelos movimentos populares entregaram o Brasil nas mãos de Bolsonaro.

Richard aponta para o Haiti que, em 1º de janeiro de 1804, derrotou a escravidão e se tornou a primeira República anticolonial do mundo. Os franceses declararam um bloqueio ao Haiti, que durou vinte anos. Por fim, o país concordou em pagar à França uma “compensação” pelo fim da escravidão. O Haiti pediu empréstimo aos bancos franceses, que – na época da Revolução Cubana de 1959 – chegou a 17 bilhões de dólares. O Haiti nunca conseguiu se libertar dos grilhões da dívida. Nenhuma agenda liberal pode contornar os efeitos disso para o Haiti (sobre a situação atual no país, consulte nosso dossiê).

Vale ressaltar que o embargo contra Cuba, liderado pelos EUA, custou à ilha pelo menos 1,1 trilhão de dólares. Nem a Revolução Haitiana (1804) nem a Revolução Cubana (1959) foram autorizadas a prosperar. Sua espinha dorsal tinha que ser quebrada. Mas ambos países não se calaram. O povo haitiano e cubano continuam a defender sua dignidade.

Poster desenhado poe Jesus Barraza do Dignidad Rebelde, baseado na fotografia de Kristen Flores.
O título desta carta vem de um comunicado divulgado pelo Subcomandante Marcos do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Marcos fez esta declaração quando o EZLN iniciou sua insurreição em Chiapas (México) há 25 anos. Tudo parecia perdido em 1994. A URSS havia desaparecido, a China havia entrado em sua era de reformas, Cuba estava em seu Período Especial, a Organização Mundial do Comércio e o Fórum Econômico Mundial de Davos pareciam dirigir o planeta e começaram a vazar notícias sobre o genocídio em Ruanda. Então, do nada, em 1º de janeiro de 1994, os zapatistas tomaram uma série de cidades em Chiapas e declararam que as forças da liberdade permaneciam vivas e bem. Marcos lançou comunicados que ofereceram uma nova visão do futuro. “Mas hoje nós dizemos: chega!”, ¡ya basta!, como diz o primeiro comunicado da Selva da Lacandona.

Um quarto de século depois, repetimos: ¡ya basta!

Assim também o diz o EZLN, que acolheu a presidência de Andres Manuel López Obrador, mas que o adverte que não pode continuar com as políticas de roubo de terras indígenas e destruição da terra. Comandante Everilda, do EZLN, tem uma mensagem forte para nós. Ela diz: “Não permitiremos nenhum projeto que destrua a vida da humanidade e a morte da nossa mãe terra – porque por trás desses projetos estão os interesses dos capitalistas nacionais e transnacionais”. Não dos povos. ¡Ya basta!

Cordialmente, Vijay.

PS:  Por favor, visite nossa website para ler nossas cartas semanais do ano passado, nossos dossiês, nosso documento de trabalho e nosso caderno político. to read our newsletters from last year, our dossiers, our working document, our notebooks. As capas estão abaixo……

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